"Você quase me mata de susto", exclama Daniel Radcliffe.
O ator de 22 anos, que será eternamente lembrado pelos oito filmes que fez como Harry Potter, está falando pelo celular de Nova York, admirando as ruas da cidade da suíte de seu hotel. Aparentemente o que o assustou foi a menção à "figura fantasmagórica escondida atrás dele na janela" que aparece no de seu novo filme, "A Mulher de Preto".
"Na verdade, estou exatamente no mesmo lugar, olhando pela janela", ele explica, "aí quando você soltou 'essa figura fantasmagórica' atrás de mim, já fiquei esperando me virar e vê-la ali. Você conseguiu me aterrorizar no primeiro minuto da nossa entrevista!".
Dá até para entender porque ele parece supersensível; como Sean Connery no começo da carreira, Daniel está numa posição estranha _ é um astro do cinema, mas não é. Sem dúvida, é um dos jovens mais "reconhecíveis" do mundo graças à franquia Harry Potter, que arrecadou mais de sete bilhões, mas não será reconhecido como um enquanto não provar que pode viver outro papel. Hollywood está de olho em "A Mulher de Preto", esperando para determinar se foi Daniel Radcliffe ou Harry Potter quem arrecadou tamanha dinheirama.
No que lhe diz respeito, Daniel jura que nunca se viu como um astro.
"Eu sou daquele tipo de ator maluco que liga só apara o trabalho", afirma ele. "A verdade é que eu não mudei com o passar dos anos, porque sou péssimo nesse lance de celebridade."
"Tenho que confessar que sempre detestei gente afetada, arrogante", ele continua. "Nunca confiei nesse tipo de gente. Se um dia chegasse a me transformar num ator assim, teria que me sentar e bater um papo muito sério comigo mesmo."
Esse é bem o tipo de coisa que muitos atores dizem _ mas Daniel Radcliffe parece sincero de verdade.
"Foi o que eu aprendi fazendo alguns filmes", ele diz. "Sei bem que os atores não são as pessoas que mais trabalham num set de filmagem; eles chegam depois da equipe e saem antes _ e recebem muito mais. Se você tem sorte de fazer parte desse grupo tão seleto, tem mais é que relaxar e se dar ao luxo de avacalhar consigo mesmo."
"Pois é, quando vejo ou sei de um ator que faz escândalo, acho a coisa mais horrível", ele confessa. "Parece que tomei um soco no estômago, me dá até náusea. Pessoalmente, tenho muito respeito pela equipe para agir feito um idiota."
Ao contrário da série Harry Potter, no qual Daniel fazia o personagem-título _ mas era apenas o primeiro num grupo homogêneo que incluía vários outros jovens atores e um verdadeiro "dream team" de veteranos _ "A Mulher de Preto", que entra em cartaz nos EUA em três de fevereiro, é todo de Daniel.
Ele interpreta Arthur Kipps, um jovem advogado viúvo que chega a um vilarejo remoto para analisar os documentos de uma cliente que morreu há pouco tempo _ e se hospeda numa mansão antiga assombrada pela misteriosa mulher de preto, o fantasma de uma jovem desprezada em busca de vingança.
Depois de tanta magia da série Harry Potter, seria de se esperar que Daniel evitasse o tema sobrenatural em seu primeiro voo solo _ e ele até entende o raciocínio, mas alega que não teve escolha.
"Eu me apaixonei pelo roteiro, simples assim", ele resume. "Botei os olhos no texto pela primeira vez e não pude resistir."
A diferença entre um filme de terror fraco e um longa sério com um pé no terror é, acima de tudo, a motivação.
"Eu perguntava a mim mesmo: 'Mas por que ele não sai da casa, caramba?'", Daniel admite. "Tinha vontade de pegar o personagem, dar-lhe um safanão e dizer que não ia ganhar nada ficando naquela casa... aí resolvi a questão dizendo a mim mesmo: 'Aí está um jovem que perdeu a mulher que amava, que quer uma garantia de que ela esteja num lugar melhor e que, algum dia, vai reencontrá-la'."
"Ele fica na casa por causa do poder da curiosidade", o jovem continua. "A curiosidade é inerente ao ser humano. O meu personagem precisa saber o que aconteceu com a mulher de preto naquela casa, seja o que for. Na verdade, o filme é sobre a dor e como ela afeta as pessoas."
E também faz o público pular na cadeira.
"É um thriller sobrenatural aterrorizante e muito inteligente; tem umas sacadas para deixar qualquer um pirado", Daniel promete. "Vai conquistar todo mundo."
"Como o momento em que o fantasma fica à espreita, atrás de mim, na janela, por exemplo", ele diz. "Eu nem sabia como ia ficar até ver a primeira edição do filme. O diretor só me disse: 'Vai até a janela e depois se afasta'. Não me contou que teria cena de efeito especial ali nem nada, só que quando vi o resultado, quase caí da cadeira. O pessoal que viu o filme grita: 'Dan, sai daí!'".
Daniel, que passou 2011 na Broadway como astro de "How to Succeed in Business Without Really Trying", por enquanto mora em Nova York.
"Morei em Nova York o ano inteiro", ele explica. "Começamos os ensaios em quatro de janeiro de 2011 e estou aqui até hoje. Só dormi na minha casa, em Londres, uma única noite no ano passado, foi no lançamento de 'Harry Potter'."
Entretanto, ele não tem a intenção de imitar John Lennon e abandonar a Inglaterra de vez.
"Londres ainda é a minha casa", ele revela, "e não vejo a hora de voltar para lá... mas, se tivesse que viver em algum outro lugar, seria Nova York. Adoro essa coisa de andar por aí e me misturar com as pessoas."
O jovem ator é filho do agente literário Alan Radcliffe e da diretora de elenco Marcia Gresham. Ele começou a atuar nas produções da escola quando ainda era menino e não demorou muito para ter seu próprio agente. Seu primeiro papel importante foi na TV britânica, na produção "David Copperfield" (1999), como o jovem David; no cinema, estreou com "O Alfaiate do Panamá" (2001) como o filho dos personagens de Jamie Lee Curtis e Geoffrey Rush.
David Heyman, produtor dos filmes de Harry Potter, descobriu Daniel numa peça _ não no palco, mas na plateia, com o pai _ e o escalou para estrelar "Harry Potter e a Pedra Filosofal" (2001).
"Naquele momento olhei para o Dan e pensei: 'Ele é o Harry Potter'", Heyman contaria mais tarde.
E realmente era. Daniel passou o resto da infância rodando "Harry Potter e a Câmara Secreta" (2002), "Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban" (2004), "Harry Potter e o Cálice de Fogo" (2005), "Harry Potter e a ordem da Fênix" (2007), "Harry Potter e o Enigma do Príncipe" (2009) e as duas partes de "Harry Potter e as Relíquias da Morte" (2010-2011).
Daniel sabe que nunca vai poder se dissociar definitivamente do personagem e já aceita o fato.
"Tenho muito orgulho dos últimos dois filmes", ele admite. "Eles superaram todos os meus sonhos. É ótimo ouvir das pessoas que nem viram os anteriores e não têm nenhuma ligação emocional com a série que adoraram o último. Isso me deixa muito realizado".
Legiões de fãs do Harry Potter tentaram agitar uma indicação ao Oscar para Melhor Filme e até uma de Melhor Ator para Daniel, mas ele só se diverte com a ideia.
"Seria maravilhoso se o filme tivesse sido indicado", ele confessa. "Todo mundo me pergunta se eu acho que teria alguma chance e digo que só chegaria perto do Oscar se alguém derrubasse um e ele me acertasse na testa."
Um Oscar seria um complemento quase desnecessário.
"Não preciso de mais nada", ele revela. "Tenho sentimentos contraditórios em relação a premiações. No mundo real, ninguém ganha prêmio por trabalhar direito, e aí você vê esse bando de atores jogando confete uns nos outros depois de ganharem a maior grana para fazer um trabalho superdivertido."
"De quantos elogios você precisa na vida?", ele questiona. "Eu sei que é ótimo ser reconhecido pelos colegas. É algo que todo ator busca porque quer ter certeza de que está fazendo um bom trabalho."